30 de janeiro de 2007

pausa

Dan Heller


há tanta luz na vida! basta olhar.






(quando não estiver aqui, estou ali)

partida suave

foto de laug


não há rios iguais. nem gente

nem o pôr ou o nascer do sol

vistos sempre do mesmo lugar

não há pedras iguais. parei

por uma apenas. no caminho

sentei-me à beira dela de mansinho

e olhei-lhe as formas todas. sem tocar.

li-lhe os reflexos. a interior opacidade

aquilo a que chamamos de verdade

escondida dentro a tudo o que há na terra

parto de novo. é minha toda a estrada

vazia e despojada que pela frente houver

fica um lugar vazio na paisagem

e o desafio a quem tiver coragem

de parar toda a vida para olhar.


a pedra fica lá. bela. para quem vier.

29 de janeiro de 2007

engano

Antoine de Villiers



nas mãos que se davam nos braços trocados

no rir de criança na música ouvida

nos passos na dança nos volteios dados

nos murmúrios bons de rios distantes



renovando em mim a infância esquecida

tão sem compromisso o acerto no passo

não te disse amo não chamaste querida

entre ti e mim só cabia um traço

dançámos de roda ao ritmo da vida



foi só sonho meu agora que faço?

a música há muito deixou de se ouvir

quebrou-se a magia. fica o viver baço

de novo. de novo. para onde fugir?


28 de janeiro de 2007

limpar o pó ou escrever?

Zbyszek Zbyszek+Filipiak

eu não sei escrever. lembro. e deixo escorregar pelos dedos, entre o espaço do cigarro, palavras. todas feitas de memória.

é assim desde sempre. não chegou com a idade. tive memórias longas já na infância. essas ainda eu podia regar com a chuva e espalhar pelos trigais. de onde vinham? sei lá. eu não sei nada.

mas saber escrever então, ainda menos que nada. deixo cair palavras. talvez por sorte, algumas caiem no lugar que alguém acha ser certo. não fui eu. foi seguramente uma corrente de ar no pensamento que para ali as atirou.


A cloud darker than a city night.

foto : madalena pestana

como podia eu vivendo em rua estreita, cercada a muros e noites de automóveis, aprender a escrever digam-me lá?

- se fosse génio...

pois. se fosse...

mas não sou. não fui. nunca serei. só conheci três génios - o mau o bom e o da lâmpada de aladino (até esse de lenda).

mas conheço escritores e reconheço-os. daí dizer claramente enraivecidamente: eu não sou!

mas porquê isto tudo? porque não sei escrever. está frio. não me apetece ler e muito menos ir limpar o pó.


26 de janeiro de 2007

trança

Antoine de Villiers


entrança o teu corpo

no meu

tanto o frio!

um corpo de mulher

fica dormente

como folha vegetal

fica na noite.

entrança os ramos

do teu corpo

em mim

pelo menos até

que passe o inverno.


o teu corpo no meu


em trança

os corpos


24 de janeiro de 2007

sabores

Stan Tramp


era na janela que escapava à jaula. só pelo olhar. ali me quedava nas horas paradas.

nesse tempo estava sozinha por dentro. nua. de escassez. não tinha sentires. delírios talvez.

não é bem assim. eu tinha uma esperança de nem sei o quê. mas esperar esperava. nas horas paradas.

senão que sentido tinha estar ali. frente a uma janela. distante de tudo. distante de onde deveria estar?

dali avistava chegadas partidas. ali comprimia desejos. ali tinha sonhos de navegação.

mas estava parada. parada e sozinha. uma vez por outra entrava uma voz. como se do nada.

sobrava a vontade de continuar. dentro à minha jaula. presa ao meu desejo. despojado. casto.

*

alguém me prendeu na força dos braços. recordo o perfume. era dia. noite? perdi-me no tempo. perdi a noção.

os sabores trocados de que eram feitos? especiarias novas. invenções do vento. em que caravelas modernas vieram?

sabores que recordo se fico parada em qualquer janela aonde me prenda. o olhar distante. perdido em azul.

23 de janeiro de 2007

vida morte e companhia

Dionísio Leitão

casca envelhecida. o tronco já cede. nada do que vejo me parece igual.

há desilusões nos cantos dos lábios. descidos descrentes. apontando o chão.

como árvore velha conheço os caminhos mas não os percorro. contento-me em ver.

pudesse eu ainda arrancar raízes. sair de onde estou. mirar rotas outras.

mas eu já não posso. como árvore estou presa. como gente sei que nada mudava.

fosse eu onde fosse a vida era igual. sem coragens novas. rasgos de loucura.

sem fadas nos bosques ou tímido amante com cândidos gestos. dos de encorajar.

chega o fim da estrada e eu chego ainda antes. é assim a vida . é assim a morte.

pelo meio encontrei boa companhia. companhia errada. e tanta perdi!

quedo-me sentada. ante o fim da estrada. não choro. não rio. não lamento nada do que já vivi.


20 de janeiro de 2007

des-faço Amor

Renato Corradi

arranco a palavra do meio das pedras

rasgo dedos mãos. as unhas partidas

pego-lhe por fim.

lavo-a de poeiras passadas

trazidas pelo vento pelo tempo. por outros

que a usaram à sua maneira

burilo-a. trabalho-a. afago-a. aqueço-a

deixo o mesmo nome

para quê mudar? é o nome que sinto

se sinto a palavra

com cuidados todos feitos de cristal

passo-a para tinta

escrevo-a mil vezes

e num gesto lento. quase ritual

desfaço o papel.


17 de janeiro de 2007

cerca quebrada ao vento

by freespirit



1ª ilustração

METAMORFOSE (73)


Passa livremente.
Liberto vento.
Leva as novas em porfia.
Sei que não é a carta a Garcia.
Mas repara.
Eu, sou cerca quebrada.
Para te facilitar.
Na tua ágil caminhada.
Onde os arbustos vergados.
Te indicam.
O encurtado rumo. A rota breve.
Aches a satisfação plena.
Aquando da missiva entregue.
Divisares a felicidade da Madalena.
poetaeusou(comentando)


Teresa Durães said...


hoje sou transparente
deixo um beijo apenas



bettips said...


Não quebrada, não caída. Apenas mais velha, aguardando os pregos da esperança e o oiro da seara.




as velas ardem ate ao fim said...


hoje sou apenas eu..
a ver mais longe...


caeser said...

Senhora!
por onde começo a enrolar o arame?

.
.
.

e se arrancasse as estacas e deixasse os passos livres ao sabor da ventania?

.
.

fala.me em cercania?

.

afinal ,que diz vossa senhoria?

( posso? )

eu sabia!!!!!!!!!!





dulce said...


... ou cerca aberta ao vento ! Que prazer abrir os braços e senti-lo a passar através de nós!



Yukio disse...


Quando o Amor aperta até se vai voando e, se não for o corpo fisico,vai a alma ..até onde puder chegar
Uma cerca é muito pouco para um grande Amor



Um outro olhar disse...

e por onde passares decerto um olhar roubarás


16 de janeiro de 2007

hoje não escrevo, Amor.

at spamula.net

hoje não escrevo não penso e nem sei o que quer dizer amor. alguém pense fale escreva isso por mim.

não lhe sei o sentir. conheço a palavra como tantas que tenho na memória. nada mais.

decorei-a nos bancos da escola em poemas vazios. não vividos por mim. quero lá saber de amar!

só falo do que sei. hoje, quem se sentir amado que me conte como é. tem paladar? textura? odor? o que é isso afinal?

esvaziei-me na espera. não se espantem. a vida é mesmo assim. um poço onde se cai muitas vezes de tão oco nos surgir o acto de viver.

hoje caí no poço. nada me erguerá. muito menos a escrita. muito menos o amor que não me dão. muito menos...

- muito menos o quê?

mas de que estou eu para aqui a falar? de nada claro. de que posso falar se não sei se não penso e se não escrevo amor?

uma mão no meu rosto... a tua? - não não é. imaginei apenas.

o melhor é fechar os olhos e dormir. dormir muito. dormir para lá do tempo. do verde. do azul.

quem sabe se a sonhar sei que me amas?

amar. o que é amar?


15 de janeiro de 2007

Mike Neal

minhas margens espantadas

mal contêm

o rio caudaloso que tu és



14 de janeiro de 2007

que louca que sou!

Jola Dziubinska

não. ainda não. não enlouqueci. caminhava apenas. ou então nem isso. olhava parada. o velho olhar fixo...

a árvore falou.

o povo do mundo está todo doente.

assim. como conto. sem nenhum preâmbulo. isto exactamente.

mas não é assim que costuma ser. não sou de rotinas. ou antes, não era. vieram defesas hoje talvez seja. poucas no entanto.

falar para as árvores sem ninguém por perto é hábito antigo. nunca responderam. oiçam o que digo.

às vezes a rama parece agitar-se em longa resposta. mas será o vento. decerto será.

só que desta vez quem falou foi ela. falou-me de povo. falou de nós gente. tristeza na voz de velhice quente.

diz-lhes que se acalmem. não corram demais. preparem as almas dos corpos doentes. dos corpos das mentes nada lhes virá que os possa salvar. misturem-se à terra. partilhem-lhe o ar.

e não falou mais. voltei lá. é claro. mas nem a folhagem caída - é inverno - podia acenar.

sobre o que eu ouvi parei para pensar.

não. ainda não. não enlouqueci. se quiserem pensem naquilo que ouvi.

*

o meu tempo voa. pouco falta já. se isto é já loucura, tanto se me dá.


13 de janeiro de 2007

são penas

Fotosearch


era linda a ave

entrou no meu espaço

não quis segurá-la

garanto. não quis.

ela estonteou

presa entre paredes

foi soltando penas

para se libertar

eu fui-as guardando

(tão bom é amar...)

a ave era linda

voou sem me olhar


deixou para trás penas

trago-as no regaço


são penas. só penas

o que é que lhes faço?


11 de janeiro de 2007

pausa.

Doug Burgess

Ian Parker's photo

o rio corria ali. tumultuoso. do outro lado dos meus braços esguios e cansados. ali. na minha frente. e tinha sede.

baixei com esforço as mãos. em concha as ergui com pouca água. muita foi derramada no percurso de a levar ao rosto ressequido por ventos e passados.

a que sobrou devolvi-a ao rio. não desperdiço água. ou acumulo.

o rio seguiu na queda até à margem. a ajustar-se no solo. acomodado. acalmado do roubo que lhe fiz.

uma gota ficou-me presa à pele. eu sei. a água é dele. mas foi só sede e pó que a retiveram.

não fui bem eu que a quis...


iguais

Bronze Tears BlackJeanne

lágrimas são rastos de sinais

antigas como o tempo

usam-se às vezes à laia de lamento

outras são meros sais a-mais

nos olhos secos


lágrimas são infértil água

inundando as palavras

desfeando rostos por desgostos

com sulcos irreais

*

as minhas lágrimas

são iguais às demais.

10 de janeiro de 2007

extensão

Giftzwerg Grafix


estendes-me a voz

num murmúrio cadente musical

estendes-me a arte

abraço de gigante a saciar-me a mente

estendes-me sonhos

da distância tão vasta mas presente


será suficiente?

talvez...

estendes-me a mão?


9 de janeiro de 2007

perdi-me. de mim?

foto em asminasgerais.com

parti de mansinho mal tinha tamanho só queria fugir.

não levei comigo nem história nem vida nem sequer farnel

já tinha cansado de correr falésias à beira da morte

quis-me mais crescida quis-me mais vivida quis-me de outro jeito

havia uma casa na estrada comprida mas não quis ficar

pouco o que pedia só queria encontrar em cena um papel

que me destinassem que fosse só meu que agarrasse ao peito

a estrada era grande e eu já me cansava mas há que seguir!

dizia a mim própria para me acalentar procurando um norte

usava a tristeza que me assoberbava o corpo ainda escasso

como companhia na estrada irreal que ainda hoje percorro

caminho caminho sem nada saber e pouco encontrar

sei que me perdi. em que encruzilhada? não posso parar! morro de cansaço...

encontrar-me a mim era sem saber o único intento

encontrei os campos encontrei os outros e amores e venenos

descobri beleza rejeitei riqueza disso me sustento

bebo água nas fontes saltito nos montes - prazeres bem pequenos

perdi-me das gentes perdi-me da fama perdi a vontade

de ser mais vivida de ser mais crescida só quero ser verdade.


8 de janeiro de 2007

a cama

Patricio Suarez


deitada só. num canto. no canto mais afastado do meu lado da cama. sinto o cheiro do leito desarrumado onde estiveste. estivemos.

estivemos ou sonhei? não faz diferença. vivo um tempo onde pouco se distingue já a realidade, da vida tranformada meio ao sono.

tinhas entrado de rompante nessa noite. não vinhas para ficar e eu sabia. sorriste. sorri-te. não conversámos muito. estavas meio acanhado, à laia de criança travessa antes de disparar a nova traquinice. eu tremia de qualquer coisa que sabia a esperança mas não devia ser. esqueci-lhe o pulsar há muito tempo.

a cama estava lá. envelhecera como eu. na espera ou na ausência de calor.

a cama sabia histórias vazias já de arroubos de prazer. mas estava lá. a cama.

falei-te de lugares antigos. paladares. raízes. ervas de aroma inimitável. rias. crescia-te no cabelo o cheiro dos gostos que eu lembrava. o meu corpo acordou.

- tira os óculos.

- não vejo.

- antes assim...

eu tímida de novo. cicatrizes de partos que não queria mostrar.

beijei-te os olhos.

a cama. a cama esperava. pouco arrumada. fria. como agora.

*

vi-te sair a porta. não doeu. na minha idade a dor é relativa. vem. instala-se. acomoda-se. a gente vai-se habituando a ela e passa a fazer parte da espera.

como a cama. agora.


6 de janeiro de 2007

cor de rosa

frozen rose by Dirk PHo


a rosa de cristal era de vida verdadeira

sangrava gelo de distância. de onde estava

poisada. gotejava isolamento na paisagem

a rosa de cristal era demasiado vidro

para sentir. parecia que fingia sentimento

vivia de silêncios e de frio com gumes

de água cristalizada. a brilhar. a brilhar

mas sem poder iluminar o dia.


vez em quando a um estranho raio

de sol. que mal se via. de tão filtrado

pelas nuvens cerradas em redor

a rosa de cristal ganhava sentir. cor.


4 de janeiro de 2007

Matthias Z.

mesmo cercada de água tenho sede
pois se a água gelou...
gelou ao teu rir indiferente. esse som frio
que vibrou
no ar e o tornou vento polar

como derreter a água que me cerca
vem do amor que sinto cá dentro
e que esfriou
de medo de ser palavra aberta
parte incerta para onde o desamor
o deportou?

à minha volta tanta água. e tenho sede
de beber enluarada a noite
desatinos
mordo as raivas com dentes
de felinos
a minha voz atiro-a com o zurzir
de açoite!

nada derrete o gelo. só o sol
estranho este meu fim
cerca-me a água e morro de deserto
quem será sol

para mim?

3 de janeiro de 2007

voo alto

Istvan Stefan


como uma seta corto o tempo

disparo-me de encontro ao impossível

vou para lá de tudo o que é credível

e até a mim reinvento ao acertar

corto males pela raíz vejo futuros


atravesso terras rios muros

e cravo-me no incerto lugar

onde me esperas sem me saberes

sequer.


como uma seta é a mim que firo

nada a fazer. se disparado o tiro

alguém tem de sangrar.

como uma seta vivo o último estar.


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