29 de dezembro de 2006

"What a Wonderful World !"

B Berenika

tenho de acreditar. eu acredito. agora!

por ti menina que morreste às mãos da mãe.

(mais uma. só mais uma entre tantas)

que há lá em cima em baixo ao lado. aonde for

um céu à tua espera

com um animal de estimação que te conheça

e um brinquedo

e tudo azul em volta. tudo azul !

onde possas rir e brincar. secar as lágrimas.

dizer mais qualquer coisa na escola

(que lá não há-de haver !)

além de pedir pão para sobreviver.


menina que morreste às mãos da própria mãe

perdoa

a minha anterior decisão de não votar

pelo direito ao aborto

às mães que não nos querem em meninas.

- terias ido para esse tal azul já vida, é verdade

mas sem antes sofrer.

eu vou votar

pelo sim


e não o queria...


brinca menina agora, que qual balão


subiste ou desceste ou nos brincas ao lado


já tão Livre de nós!


por ti, tem de haver céu.






declaração de voto para o referendo sobre o aborto.

Madalena Pestana


27 de dezembro de 2006

no fim do cabo

Doug Burgess

neste cabo da vida penso os cabos - há os que levam e trazem luz

outros, palavras dentro, como murmúrios de aves arrolhando

há-os de alta tensão. tensões que temos e só passam nos cabos

lá tão altos não vá alguém tocar-lhes e saber-nos

os que servem para, sem nos sentirmos, nos ouvirmos

são cabos de distância. cabos-espera. cabos palavra vinda lá de longe

cabos silêncio interrompido. distância encurtada. estrada adiada.


não passam pelos cabos estados de alma nem sentires profundos

porque os olhos não passam. não falam. não transmitem

mesmo que as almas gritem podem ouvir-se risos suaves

sem ninguém que os desdiga. disso são os cabos incapazes


mas se o que quero é dizer-te o que nunca direi

para que escrevo eu sobre telefone?

poderia bem dar-lhe um outro nome

amor irracional paixão segredo afago...

era menos prosaico. ao fim e ao cabo.

23 de dezembro de 2006

um Homem

photo by Look

nasceu um Homem. hoje muita gente fala dele. ainda hoje. nem que seja por isso tem de ter sido alguém digno de atenção.

mas um dia morreu. outra realidade a quem nem mesmo ele fugiu. mas quis fugir.

- Pai, porque me abandonaste?

mas abandonou e continua a abandonar crianças esfomeadas que morrem disso mesmo. jovens mandados para guerras tantas vezes em quase nome dele. abandona. aos que acreditam. como esse Homem que nasceu e que morreu, acreditou a ponto de pregar.


pelo menos uma mulher chorou. disse que o vira. deve ter visto sim. há muito mais, para lá, do que a nossa parca vista alcança.


convencionou-se um dia para o lembrar. está próximo o dia.

eu lembro-te, Jesus de Nazaré. sem alegria nem tristeza. com afecto. sou-te amiga. talvez mais amiga do que dizem que pensaste e disseste e fizeste, mas sou. e eu lembro os amigos que partiram com serenidade. é o meu jeito de ser.


christmas-cactus by Larry Angier

ressuscitaste? não sei. não saberei. deixo um cacto em flor à laia de presente e uma frase recebida agora mesmo de uma amiga:

"O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis."

Fernando Pessoa

21 de dezembro de 2006

Natal. Pois...

Jola Dziubinska

na cidade prepara-se o Natal. correrias . compras. indiferenças da pressa e da razão.

há uma árvore à beira de uma estrada. bem no topo. vê tudo. nada diz porque não pode.

os homens sobem ao que resta da floresta. cortam arrancam pinheiros de enfeitar.

e as luzes pai? e as luzes! ainda temos de as comprar! há umas novas, de mais cores a acender e a apagar...

inspira. expira a árvore. de alívio. ainda não foi desta. ainda sobrou. e no seu respirar renova o ar.

no topo do que resta da floresta rasgaram uma estrada. a árvore ficou ali sozinha. à mercê do próximo Natal.

afasta o mais que pode o ramo mais novo da vista de quem passa. na esperança de o salvar.

a árvore. não fala. não diz nada. quem a fez não lhe permite suplicar. suplico eu por ela:

homens! seja qual for a razão que os leva a matar árvores, pensem! não nos roubem o verde nem o ar!


20 de dezembro de 2006

o sol. os sóis.

at horizoncardsandprints


há sóis que não desaparecem da nossa vida

pobre no olhar para ver

e há o sol que baixa suavemente, incendiando

tudo, ao entardecer

diariamente

como uma mão quente que nos traz uma réstea de cor

antes de adormecer


os outros, sóis interiores de afortunadas gentes

não serão menos sóis

são só diferentes no efeito que têm sobre nós.

são os dos santos dos poetas e dos simples

os que encontraram os talentos que perdemos

e os fizeram render.


nós passamos por eles, distraídos. nesta condição

de existir com muito pouco ser

e colhemos os frutos. e comemos

e nem olhamos os sóis que não descansam

e luzem dia ou noite. quais faróis.

para não nos perdermos ao viver.


19 de dezembro de 2006

palavras ou - "não corram sobre as aves"

Louis Bonnet


ensinem-me as palavras livres de enredos de teias e de medos

palavras de escrever e de sentir sem que me prenda

ao pensamento de quem me possa ouvir ou ler!


ensinem-me as palavras!

- que quer dizer oprimir?

sofrer?

e desespero?


- guerra pão e natal,

são da mesma família?



e lixo e abandono

a que grupo pertencem?



- há palavras que vencem

digam-me quais são!



digam rapidamente palavras salvadoras

da alma com urgência de crescer

- ler aprender comer beber saber

e amar. ah amar até mais não poder!



mas essas há muito as sei articular para sobreviver.



digam-me as palavras grávidas de esperança

fugiram-me há muito tempo da lembrança



e eu queria tanto desejar um ano novo cheio delas.

mas primeiro, vou ter de as aprender.

18 de dezembro de 2006

dois - desertos

Kalifornija Konstantīns Manos


dois. tão aparentemente desertos para quem olhe

desprevenido de inusitadas visões
dois sem princípio ou fim nessa experiência
de extensão de alma até para lá do tempo.

dois a um salto. o atravessar do rio breve.
dois. separados. dois em deserto unidos
coloridos de terra céu e água corrente
sem medo. sem desdém pelos demais:
acompanhados de certezas finitas
seguros por detrás das portas bem cerradas.

dois. de palavras com sede quase feitos
com os beijos por dar. as mãos por se tocar
os sonhos todos ainda por trocar
dois. em deserto refeitos de falsas utopias
aprendendo a viver com as mãos despojadas

de mãos vazias mesmo - entregues os anéis
mandados que foram brilhar para saturno
a embelezá-lo mais e assim ao universo
dois que cabem num sintético verso
que nunca hei-de saber ou querer escrever.

dois desertos. um rio. e um impensável salto
salto de bicho livre tem de ser no instante
em que o deserto fique demasiado denso e quente
e dois, saltem para a água, a refrescar
quem sabe a meio dele se possam encontrar?

dois. em deserto. um rio. um pulo.
um imenso horizonte a contemplar
dois a aprender. dois a sorrir. dois a olhar!

13 de dezembro de 2006

folha de outono

Baldwin-Wallace


como numa casa abandonada o outono entrou

em mim e não saiu.

folhas mortas tantas folhas mortas.

invasão vegetal

amareladas. secas de vento e sol.

a ante-morte ali.

e eu parada. de pé e a olhar

sem nada para dizer. sem querer sequer tentar

estava tão certo como o frio que me vinha das janelas


toquei com as mãos os vidros que suavam

com o meu respirar

do outro lado umas costas voltadas contra elas

provavelmente um estranho. a passear...


sim.lembrei-me de ti. por um instante.


depois deitei-me sobre as folhas de cor quente

e o som suave do vento que as trouxera

serviu para me embalar.


by Zahid Niaz

quando o inverno chegar não façam nada

deixem que seja a brisa fria a apagar a vela

que esteve acesa a aquecer

a velar.

as folhas tratarão de dissolver o resto

até não se notar.

e assim serei eu chão onde talvez um dia

se possa semear.


12 de dezembro de 2006

grito verde

Edvard Munch


tão silencioso é o meu grito nem a noite o ouve.

manhãs claras e verdes da infância, corridas pelas ladeiras...

urge-me respirar

as formas ondulantes do trigo e dos pinhais

acocorar-me num monte de terra

e receber-lhe o odor avermelhado.


o grito!

este meu tão silencioso grito

que nem ao passar por mim é possível ouvir

vivo-o neste minuto e não sei descrevê-lo sequer.


sem voz sem rios sem verde sem terra é-se mulher?

e o meu grito apodrece

como outro citadino grito que ninguém ouve ou quer.

11 de dezembro de 2006

se

MP



em qualquer rua estreita corre o mesmo destino.

o que nunca tivemos. o que queremos fazer

o homem a mulher o cão ou o menino

ainda têm sonhos por viver. ah, se tivessem tino!



e no entanto habito esta cidade

morta há já tanto tempo que o esqueci

como agarrada a cajado de peregrino

que sem ele não sabe caminhar



de ponta a ponta percorro a rua. à noite.

tenho passos no encalço. sei-os sem me voltar

são já tão densos quanto é a minha idade

sou eu que me per-sigo. a querer ainda sonhar.


ah se tivesse tino!


e se houvesse destino?



9 de dezembro de 2006

uma metade. a outra?

B Berenika


de olhos cobertos deambulo a cidade

sei-a de cor e cansei do que vi



de tanta vida que foi que me sobrou?

lembro: vivi

tive rasgos coragem e idade

hoje sei lá quem sou?


- monja de muitas celas de poesia

prisioneira dos meus corredores de mágoa

não me entrego ao amor

nem ele a mim


abro um sorriso se há torrentes de água


deambulo o vazio da cidade

mergulho na utopia da verdade

eu - metade de mim.

8 de dezembro de 2006

a mar alto!

at .orgs.muohio.edu


onde navego há uma tal tormenta
um tal medo no volante do vento
um crescente lamento no furioso ondear
deste mar interior deste meu mar!


nunca deixo passá-lo em voz. a minha
e nem me deixo sequer embalar
na turbulência
como menina em baloiço que voa
como rapaz que corre em roda ao poço
até cair de tanto voltear.


quero-me cerebral. dureza de aço
e sei que ao ser cristal
cedo estilhaço.


alto

a-mar

6 de dezembro de 2006

Bispos de Xadrez

fotografia de LooK


a vida é feita de círculos concêntricos e nem damos por isso

atravessamos a vida de través.


nem olhamos para onde aponta o raio. para que centro.


assim pisamos vidas sem as ver

e o que demais nos fique baixo aos pés.

4 de dezembro de 2006

noite

foto de Biliana Rakocevic


há nesta noite um silêncio pesado

dum peso e solidão que quase dói

a rosa que seguro não a deste

o desejo que tenho não soubeste

sequer adivinhar.


e a noite que costuma aliviar-me

destacou mais a rosa

que tanto quis de ti mas que não veio

e que nunca virá.


não soube hoje a noite ser-me irmã.



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